quarta-feira, 10 de junho de 2015

A Filha de Mistral de Judith Krantz

A Filha de Mistral é um daqueles livros grandes, daqueles que saltam bem à vista, que desde pequenino vejo nas estantes da minha mãe e que sempre ansiei por pegar.
Hoje foi o dia.

Valeu a pena os anos de curiosidade? Valeu a pena o tempo perdido num livro de tantas palavras?
Como se costuma dizer: meh.

É um livro bastante mais extenso do que parece e que conta a história de uma família ao longo de quase um século. Mas a escrita imaculada de Judith Krantz não deixa lugar a grandes emoções fortes e a vida fácil das suas personagens não cativa de todo... E não, eu não preciso de ser mulher para gostar do livro.


A história desde logo chamou-me a atenção: a épica saga das três mulheres Lunel, avó mãe e filha, Maggy Teddy e Lunel, e do homem a quem cada uma delas está tão ligada, Mistral, o maior pintor francês de sempre, uma história que percorre o séc. XX desde os gloriosos anos 20 em Paris até aos anos 70 de Nova Iorque. Eu gosto de livros assim, que se estendem ao longo de quase um século de História, que seguem as suas personagens uma vida inteira, porque o que mais me agrada na leitura é conhecer novas personagens e apaixonar-me por elas (ou mesmo odiá-las, o que importa é emocionar-me!).

A Filha de Mistral é, por um lado, isso. Começamos por conhecer Maggy, uma jovem ingénua que se torna a maior modelo de artistas de Paris nos anos 20, e que vai viver uma paixão arrebatadora mas efémera com Julien Mistral. Muito mais tarde, depois do destino a levar até Nova Iorque, a sua filha Teddy torna-se a maior modelo fotográfica dos anos 50 e também ela apaixonar-se-á por Julien Mistral. E ainda mais tarde Fauve, filha de Teddy, irá lidar com Mistral e enfrentar os segredos que o seu passado e das Lunel esconde.

Uma história longa e de destinos, como se percebe.
Mas não se deixe iludir: o livro é desapontadoramente vulgar.

Para começar, não há nada de verdadeiramente emocionante nesta história tão longa que mereça a construção de um suspense ou de expectativa. É certo que a vida não corre sempre bem: há pessoas que morrem, deixando os sobreviventes desamparados; muitas vezes as decisões não são as correctas, e mais tarde terão de lidar com as suas consequências. Mas todos estes acontecimentos, que são o verdadeiro enredo do livro, não nos agarram, não nos deixam o coração apertado de emoção, não nos fazem torcer por quem quer que seja. Apenas... Acontecem. Dir-me-ão "e não é mesmo assim a vida?", e eu concordarei (lembro-me agora do belo filme de Richard Linklater, Boyhood, que reflecte um pouco a passagem do tempo sem o clímax das fantasias artísticas). Mas Judith Krantz claramente não pretende fazer de A Filha de Mistral uma reflexão sobre a passividade da vida contra os romantismos construídos pelas novelas e por Hollywood. Pretende, antes, construir um trama épico no feminino, mas falha em cativar um leitor mais maduro. Parece-me que uma pessoa com menos cultura literária ficará bastante mais agradado com esta oferta.

Para mim, uma das grandes razões que tornou esta leitura tão vulgar e pouco cativante foi a escrita. Na verdade, há que confessar que Judith Krantz escreve muitíssimo bem. Leram bem, muitíssimo! Acho que raras vezes encontrei uma escritora tão perfeitamente irrepreensível: frases perfeitamente delineadas, palavras devidamente pensadas, tudo maravilhosamente correcto. Resumindo: perfeitamente aborrecido. A escrita de Krantz é tão correcta que não há espaço para uma certa liberdade na escrita, a liberdade que na minha opinião é a voz do escritor. Tão correcta que acaba por não dar espaço a emoções fortes. Não há atrevimento.


Todo o livro é uma ode às modelos, uma apreciação da beleza feminina retratada nas revistas de moda. É óbvio que a autora tem uma paixão enorme pelo mundo da publicação da moda, e certamente fala com experiência e profissionalismo. Infelizmente, os seus devaneios sobre a perfeição das modelos da capa da Vogue pouco me entusiasmaram, e o facto de todas as protagonistas serem fisicamente imaculadas (ao ponto de uma senhora de sessenta anos aparentar os dezassete) menos me convenceu.
As mulheres Lunel são as mais bonitas que alguma vez pisaram a terra e isso parece garantir que raramente encontrem dificuldades na vida. O seu percurso de vida parece basear-se apenas em arranjar trabalho aparentemente bem pago pela sua beleza, mais uma vez dando pouco espaço a uma história mais elaborada pela qual o leitor possa ser cativado.


Apesar de tudo, chegados ao fim do livro, é impossível não sentir uma certa nostalgia na despedida. Depois de percorrermos a sua vida inteira, percebemos que inconscientemente acabámos por nos agarrar a estas mulheres. É um sentimento inevitável quando se trata de uma história de tantos anos, que nos acompanha por tantos dias. Não obstante, nunca em todo o resto do livro sentimos verdadeira necessidade de as acompanhar.

No fim de contas... Não é mais do que um livro romântico, como aqueles romances femininos vendidos nas papelarias, mascarado por uma história mais extensa e que não entretém como seria de prever (foi aliás mais demoroso de ler do que esperava). Não que dê o meu tempo por perdido, mas sem dúvida não teria pegado se soubesse melhor.

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